Disseminamos no nosso Blog SST esta investigação que enfoca os impactos dos acidentes de trabalho que extravasarem a esfera
laboral e as consequências dos danos sofridos pelas vitimas que vão muito para lá da perda da da capacidade de trabalho.
RESUMO
O mundo laboral vive
atualmente um momento marcado pela incerteza quanto ao futuro e pela certeza de
que o presente é de crise e de recessão. O trabalho, alterado nos seus
conteúdos e formas, nas suas modalidades, espaços e tempos, é atravessado por
uma crise que afeta tanto o seu valor como os seus significados e contextos.
Estas transformações, intensificadas pelos processos de globalização económica,
encontram nas condições de trabalho, descritas como responsáveis pela
intensificação e multiplicação dos riscos profissionais, novos quadros
existenciais de incerteza que questionam o valor do trabalho enquanto
identidade e do direito enquanto reconhecimento. Como consequência da forte
degradação das condições de trabalho e do aumento dos riscos profissionais,
milhões de trabalhadores em todo o mundo morrem ou ficam gravemente feridos devido
a acidentes de trabalho e/ou doenças profissionais.
A problemática da
sinistralidade laboral, não sendo nova, tem sido alvo de uma crescente
preocupação teórica e política justificada pelo número de acidentes de trabalho
registados e pelo facto de estes condensarem no corpo e vida dos trabalhadores
o conflito entre capital e trabalho. Os acidentes de trabalho, enquanto evento
imprevisto e indesejável de que pode resultar uma lesão ou a morte,
apresentam-se como um fenómeno complexo e multifacetado. A montante ou a
jusante, na identificação e prevenção das suas causas ou na compreensão e
reparação das suas consequências, os acidentes de trabalho constituem-se como
um desafio à efetiva proteção jurídica dos trabalhadores. Por outras palavras,
assumem-se como uma dinâmica de possível exclusão do trabalho e, por
conseguinte, uma negação da cidadania e da dignidade. Neste sentido, continuam
a desafiar o direito do trabalho, em particular o direito à reparação, a uma
maior efetividade e a um reconhecimento do valor do trabalho e da dignidade do
trabalhador. Partindo do pressuposto que a ocorrência de um acidente de
trabalho altera a trajetória individual, social e familiar de um indivíduo,
esta investigação procurou discutir e questionar a efetividade do sistema de
proteção e de reparação dos acidentes de trabalho. Circunscrito à realidade
portuguesa, este trabalho refletiu sobre as experiências individuais de
sinistralidade e procurou perceber de que modo o acidente de trabalho altera as
identidades e a conceção de trabalhador.
A análise do modelo de reparação dos acidentes de trabalho em
Portugal, construída teoricamente com base numa abordagem sociojurídica da
regulação do risco e do reconhecimento do valor do trabalho, consubstanciou-se
em termos metodológicos numa comparação entre a evolução do dispositivo
reparatório, que tutela o direito à vida e à integridade física do trabalhador
e reconhece o valor do trabalho e do trabalhador, e o recurso às histórias de
vida dos trabalhadores sinistrados. O direito à reparação do acidente de
trabalho, não obstante a evolução verificada ao longo do último século,
continua a proteger juridicamente, quase em exclusivo, a integridade económica
ou produtiva do trabalhador sinistrado, na medida em que os danos indemnizáveis
dizem respeito apenas à redução da capacidade de ganho ou de trabalho.
O
conhecimento das trajetórias individuais e laborais dos trabalhadores
sinistrados revelou as fragilidades decorrentes da reparação dos danos sofridos
na vida concreta dos trabalhadores sinistrados ou das suas famílias, ao mesmo
tempo que demostrou uma visão redutora do ser humano enquanto trabalhador. Ao
demonstrar que as consequências de um acidente de trabalho vão além das
reguladas juridicamente, esta investigação concluiu, por um lado, que os
trabalhadores sujeitos a uma experiência de acidente de trabalho veem
intensificadas as condições de vulnerabilidade social conexas à exposição aos
riscos profissionais e à regulação jurídica dos mesmos, e, por outro, que a
definição jurídica de responsabilidade pelo dano de acidente de trabalho e,
consequentemente, pelo reconhecimento do valor do trabalhador sinistrado
potenciam o aumento das condições de insegurança para os trabalhadores.
Estas
conclusões são visíveis no facto de os impactos do acidente extravasarem a
esfera laboral e dos danos sofridos irem muito além da perda da capacidade de
trabalho, abrangendo igualmente as dimensões individuais, familiares e sociais.
Vítima do trabalho, das suas condições e do acidente, o trabalhador sinistrado
vê-se, igualmente, como uma vítima da proteção jurídica ao descobrir, após o
acidente, que é um cidadão de segunda classe e um trabalhador pela metade,
reduzido à sua dimensão produtiva, a uma simples peça de uma máquina e/ou do
processo produtivo, cujo reconhecimento se expressa meramente na sua capacidade
produtiva e valor económico.
0 comentários:
Enviar um comentário