Subscribe:

Pages

quarta-feira, 29 de março de 2023

Primeiro passo para o reconhecimento do cancro da mama como doença profissional em França

 


 


 Imagem com DR

 

No início de fevereiro, uma trabalhadora noturna viu o seu cancro da mama ser reconhecido, pela primeira vez, como doença profissional em França. Esta decisão foi o resultado de uma campanha sindical, em grande escala, que utilizou de forma bem aproveitada um inquérito efetuado aos trabalhadores para sensibilizar o público e para mobilizar em torno da questão do cancro profissional.

Martine trabalhou durante muitos turnos, no período noturno, ao longo da sua carreira. O diagnóstico de cancro da mama obrigou-a a parar de trabalhar para poder fazer os necessários tratamentos. Quando regressou ao trabalho, as suas condições de trabalho permaneceram praticamente inalteradas. Em consequência, foi obrigada a optar pela reforma antecipada. Só em 2023, após cinco anos de processo, é que o seu cancro foi reconhecido como doença profissional e definida a incapacidade para o trabalho de 35%.

Vários estudos mostram que o trabalho noturno é prejudicial para a saúde dos trabalhadores. No entanto, deve ser feita uma distinção entre riscos comprovados (perturbações do sono e perturbações metabólicas), riscos prováveis (diabetes tipo 2, doença coronária e risco carcinogénico) e riscos possíveis (tensão arterial elevada e acidentes vasculares).

Para as mulheres, em particular, o trabalho noturno aumenta o risco de cancro da mama em até 30%. No entanto, o trabalho noturno é essencial para o bom funcionamento de determinados setores, nomeadamente dos serviços de saúde - e ainda não é reconhecido como um fator de risco para o cancro.

Consequentemente, existe um certo tabu em torno desta questão: os trabalhadores aceitam trabalhar à noite sem necessariamente estarem cientes das potenciais consequências para a sua saúde e alguns empregadores não põem em prática mecanismos de prevenção adequados.

A situação de Martine também toca em outra questão: a do retorno ao trabalho após ou durante o tratamento contra o cancro. De acordo com a Think Pink, uma organização nacional de cancro da mama na Bélgica, 55% dos diagnósticos de cancro são recebidos por pessoas que ainda estão a trabalhar, cerca de 60% a 80% das quais regressam ao trabalho após o tratamento.

A organização sublinha, assim, a importância de criar as condições necessárias para um regresso bem-sucedido ao trabalho. Tal pode assumir a forma de uma redução temporária do horário de trabalho ou de uma alteração das tarefas a executar, se estas já não estiverem em conformidade com as capacidades do trabalhador.

De acordo com  um estudo realizado pela LUCAS KU Leuven, «um terço dos inquiridos encontra-se, atualmente, a sentir dificuldades no seu trabalho após o tratamento do cancro da mama e um em cada três pacientes considera que terá de deixar de trabalhar prematuramente devido ao tratamento, principalmente devido a problemas de concentração».

O caso particular de Martine evidencia a incerteza em torno do reconhecimento da natureza ocupacional do cancro de mama. De momento, o trabalho noturno e o trabalho por turnos são considerados cancerígenos «prováveis». Consequentemente, a presunção de causalidade não existe e cabe à vítima provar a existência de um vínculo direto e essencial entre a patologia (cancro) e o seu trabalho regular (trabalho noturno).

Uma tarefa dificultada pelo facto de o cancro da mama ser uma doença multifatorial. Hábitos de vida, como o consumo de álcool e tabaco, e também certos elementos da história médica são levados em consideração. Assim, os procedimentos são muitas vezes longos e particularmente difíceis para trabalhadores, que já se encontram física e psicologicamente enfraquecidos pela doença.

No final, a decisão é tomada por um perito que decide se existe ou não um nexo causal entre a patologia e as condições de trabalho. Foi o que aconteceu com Martine em abril de 2022, com um parecer favorável dado pelo Conselho Médico Departamental. Esta foi uma vitória para a trabalhadora, que acabou por receber uma indemnização de 35% do seu salário anual.

A história de Martine não é isolada, mas é o primeiro caso de sucesso de uma campanha lançada em 2017 por uma “ação coletiva sobre o cancro de mama” criada pela Federação de Minas do sindicato CFDT em França. Esta ação coletiva realiza campanhas de sensibilização, mas também inquéritos laborais nos setores da saúde e dos transportes aéreos com um duplo objetivo.

O primeiro é permitir que os sindicatos e os representantes dos trabalhadores exijam medidas de prevenção mais eficazes nestes setores. O segundo é a inclusão do cancro da mama nas listas de doenças profissionais. Tal aliviaria a carga processual e permitiria que estes trabalhadores fossem mais bem remunerados. 

A nível europeu, a luta contra os cancros profissionais centra-se principalmente na exposição a agentes cancerígenos ou mutagénicos, como o benzeno ou o níquel. Existe também uma diretiva relativa à prevenção dos riscos decorrentes da exposição a radiações ionizantes, cujo capítulo VI é dedicado à exposição profissional. Embora as radiações ionizantes sejam reconhecidas como um perigo, não são reconhecidas como uma causa presumida de cancro da mama. O único instrumento europeu de referência às doenças profissionais e às suas causas não é vinculativo (Recomendação 2003/670/CE).

Por conseguinte, cabe aos Estados-Membros transpor ou não esta recomendação para o direito nacional. Além disso, o cancro da mama não é mencionado explícita, mas indiretamente, na rubrica "doenças causadas por radiações ionizantes".

Do mesmo modo, o trabalho noturno não é abordado na legislação destinada a prevenir o cancro, mas sim na Diretiva relativa ao tempo de trabalho (Dir. 2003/88/CE). Por conseguinte, se o esforço do CFDT conduzir ao reconhecimento oficial do cancro da mama como uma doença profissional causada pela exposição a radiações ionizantes e/ou trabalho noturno, tal poderá também abrir caminho a um melhor reconhecimento noutros países, mesmo a nível europeu.


Tradução da responsabilidade do Dep. SST


Aceda à versão original Aqui.


0 comentários:

Enviar um comentário