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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Após #MeToo: Mudanças na política de assédio sexual no trabalho - parte II

 

Abordagens para combater o assédio sexual

Embora a aplicação da Diretiva relativa à igualdade de tratamento tenha introduzido alguma coerência entre as legislações dos Estados-Membros em matéria de assédio sexual, subsistem diferenças significativas na forma como estas leis são aplicadas e executadas.

Os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia e Suécia) e alguns países continentais (como os Países Baixos e a Bélgica) adotam uma abordagem preventiva, impondo aos empregadores o dever de prevenir proactivamente o assédio sexual. Esta abordagem integra frequentemente o assédio e o assédio sexual em responsabilidades mais vastas em matéria de saúde e segurança, colocando a tónica na identificação e atenuação dos riscos. Por exemplo, nos Países Baixos, o assédio sexual é considerado um risco para a saúde no trabalho e os empregadores devem incluí-lo no inventário de riscos e nos planos de avaliação.

Noutras jurisdições nacionais, a tónica tende a ser enviesada para a possibilidade de recurso judicial, a sanção do assédio sexual e a clarificação dos procedimentos para lidar com casos de má conduta.

Por exemplo, o Código do Trabalho francês determina que as empresas com 250 ou mais trabalhadores nomeiem um responsável pelo assédio sexual para orientar, informar e apoiar os trabalhadores na abordagem de casos de assédio sexual e comportamentos sexistas.

Além disso, o código penal francês criminaliza o assédio sexual, impondo penas de até três anos de prisão e uma multa de 45.000 euros quando o assédio envolve abuso de autoridade, visa uma pessoa com uma vulnerabilidade visível, envolve múltiplos perpetradores ou ocorre através de meios digitais ou eletrónicos.

A Espanha exemplifica uma combinação de abordagens preventivas e sancionatórias na luta contra o assédio sexual. Enfatiza o dever de cuidado do empregador para com seus funcionários, determinando a implementação de protocolos de prevenção, ao mesmo tempo em que impõe sanções aos empregadores que não adotam essas medidas preventivas.

A Irlanda e Chipre completaram a legislação nacional em matéria de assédio sexual, que aplica a legislação da UE, com códigos de conduta voluntários. Em 2022, a Comissão Irlandesa para os Direitos Humanos e a Igualdade (IHREC) emitiu um novo Código de Conduta sobre Assédio Sexual e Assédio no Trabalho, substituindo uma versão anterior de 2012.

O código estabelece que uma política de luta contra o assédio é «parte integrante das estratégias de igualdade no local de trabalho e será mais eficaz quando aplicada em conjugação com políticas semelhantes em matéria de igualdade de oportunidades e de saúde e segurança».

 

No Chipre, a legislação em matéria de igualdade é complementada por dois códigos de conduta sobre o assédio no local de trabalho e o assédio sexual, nomeadamente através de formulários eletrónicos. Uma foi emitida em 2018 pela Provedoria para o setor público e outra em 2019 como parte de um acordo entre os principais sindicatos e empregadores para o setor privado. Embora não sejam vinculativos, estes códigos levam os empregadores a proibir o assédio sexual, a promover um local de trabalho respeitoso, a fornecer formação e a criar mecanismos para tratar e investigar as queixas.

 

Alterações legislativas recentes

Na Bélgica, entraram em vigor em 2023 regulamentos alterados sobre assédio sexual (e outras formas de assédio), motivados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu (C-404/18 «Hakelbracht») e por um processo por infração instaurado pela Comissão Europeia.

O caso abordou a legislação belga sobre medidas prejudiciais, que se referem a ações tomadas por qualquer empregador em retaliação contra um empregado que denuncie ou esteja envolvido no combate ao assédio sexual, à violência ou à discriminação no local de trabalho. Tanto o TJCE como a Comissão Europeia consideraram que a legislação belga era demasiado restritiva em comparação com a legislação da UE, uma vez que previa um âmbito mais restrito de proteção contra retaliações por parte dos empregadores, abrangendo apenas ações formais.

A lei foi considerada insuficiente contra outras formas de participação em atividades antidiscriminação, como dar conselhos informais ou defender um colega. O ónus da prova também foi considerado indevidamente oneroso para o trabalhador, obrigando-o a demonstrar que as medidas prejudiciais estavam diretamente ligadas ao seu envolvimento em atividades protegidas.

Os novos regulamentos introduziram proteções mais fortes contra represálias, alargaram as salvaguardas às testemunhas informais e reviram o calendário e o processo de notificação por parte do empregador. Os empregadores são agora obrigados a atualizar os seus regulamentos de trabalho de modo a incluir procedimentos internos de prevenção dos riscos psicossociais, em conformidade com a lei alterada.

Na Dinamarca, as recentes alterações legislativas reforçaram as proteções contra o assédio sexual no mercado de trabalho. Em 2023, o Parlamento dinamarquês alterou a Lei da Igualdade de Tratamento, a Lei do Ambiente de Trabalho e a Lei da Formação Profissional, na sequência de um acordo tripartido entre o Governo e os parceiros sociais.

Estas alterações clarificam as responsabilidades dos empregadores, aumentam a indemnização para casos graves de assédio e permitem que os trabalhadores reclamem indemnizações diretamente aos autores dos crimes. Nomeadamente, a Lei da Igualdade de Tratamento exige agora que os empregadores abordem e resolvam ativamente quaisquer incidentes de assédio sexual no local de trabalho.

A Lei do Ambiente de Trabalho inclui agora explicitamente o assédio físico e o assédio moral, enquanto a Lei da Formação Profissional facilita a rescisão dos acordos por parte dos formandos e aprendizes e permite a retirada da acreditação às instituições de ensino envolvidas em casos de assédio sexual.

A Espanha é outro Estado-Membro que lidera as alterações legislativas em matéria de assédio e assédio sexual no trabalho. A Lei 15/2022 sobre igualdade de tratamento e não discriminação, que ratifica a Convenção da OIT, proíbe "qualquer disposição, conduta, ato, critério ou prática que viole o direito à igualdade", mencionando explicitamente o assédio através das novas tecnologias e redes sociais.

Além disso, a Lei Orgânica 10/2022 sobre a garantia integral da liberdade sexual, que complementa a Lei Orgânica 3/2007 sobre a igualdade de género, reforça a exigência de que os empregadores implementem políticas de prevenção e sensibilização contra condutas abusivas que afetem a liberdade sexual e a integridade moral no trabalho, incluindo o assédio digital. A lei visa garantir a proteção e a igualdade entre mulheres e homens e determina que a violência sexual seja incluída como risco ocupacional nas avaliações de risco para vários trabalhos realizados por trabalhadoras.

 

Em 2018, foram introduzidas disposições rigorosas no código penal francês que reconhecem o assédio sexual, incluindo atos cometidos através de meios eletrónicos ou digitais, como uma infração penal. A definição foi alargada de modo a abranger não só os comentários ou comportamentos com conotação sexual, mas também os de natureza sexista.

A lei também agora abrange o assédio por vários indivíduos, agindo juntos ou sequencialmente, mesmo que cada pessoa aja apenas uma vez e independentemente de suas ações serem coordenadas.

Posteriormente, a Lei n.º 2021-1018 alinhou a definição de assédio sexual do Código do Trabalho com a do Código Penal, deslocando o foco dos atos repetitivos de um único agressor para o reconhecimento do assédio com base no impacto cumulativo das ações sofridas pela vítima, independentemente do número de agressores ou das suas ações individuais.

 

Tempo para (mais) mudança

Na era pós-#MeToo, à medida que as atitudes sociais evoluem e as mulheres se manifestam mais facilmente contra a má conduta sexual, espera-se agora que os empregadores intensifiquem mais do que nunca os seus esforços para prevenir e combater o assédio sexual no trabalho.

Mesmo em jurisdições onde o estabelecimento de políticas nos locais de trabalho não é obrigatório, os empregadores continuam a ser aconselhados a adotar tais políticas e a promover ativamente uma cultura em que não sejam toleradas formas de assédio.

Políticas eficazes devem incluir uma definição clara de assédio sexual com exemplos de condutas proibidas. Devem também estabelecer protocolos de prevenção abrangentes e estabelecer procedimentos claros para a comunicação, a investigação de queixas e as medidas disciplinares, incluindo um eventual despedimento.

Esta análise revelou igualmente uma tendência significativa: a legislação nacional neste domínio está a adaptar-se cada vez mais à rápida evolução das redes sociais e à crescente prevalência de atividades em linha no local de trabalho, que podem servir de terreno fértil para o assédio sexual.


Tradução da responsabilidade do Dep. SST 

Versão original:

https://www.eurofound.europa.eu/en/resources/article/2024/after-metoo-changes-sexual-harassment-policy-work


segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

EUROFOUND - Após #MeToo: Mudanças na política de assédio sexual no trabalho - parte I

 

1 de outubro de 2024

 

O movimento #MeToo, que começou em 2017 com alegações de assédio e agressão sexual na indústria do entretenimento, trouxe uma atenção significativa para o assédio sexual, particularmente porque afeta mulheres trabalhadoras.

O movimento #MeToo desencadeou uma discussão mais ampla sobre a prevalência de má conduta sexual no trabalho e impulsionou mudanças legislativas em vários países.

Com base nas informações recolhidas junto da Rede de Correspondentes Europeus da Eurofound, este artigo analisa as várias abordagens para combater o assédio sexual nos Estados-Membros da UE e destaca as recentes mudanças políticas.

 

Próximas etapas no combate ao assédio sexual

As jurisdições europeias apresentam um certo grau de uniformidade na legislação em matéria de assédio sexual, em grande medida devido à legislação da UE.

A definição da UE, delineada na Diretiva Igualdade de Tratamento de 2006, define assédio sexual como «qualquer forma de comportamento indesejado de natureza sexual, verbal, não verbal ou física, que ocorra com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade de uma pessoa, em especial quando cria um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo».

Nas leis nacionais de igualdade e antidiscriminação, a repetição do comportamento ofensivo normalmente não é necessária para que o assédio sexual seja considerado ilegal. Um aspeto fundamental das definições estatutárias é que a má conduta deve ser indesejada.

No entanto, as jurisdições nacionais nem sempre definem claramente o que constitui um comportamento sexual indesejado. Esta lacuna é colmatada em países como a França e a Alemanha, onde as legislações nacionais fornecem exemplos não exaustivos de comportamentos sexuais indesejados.

A violência e o assédio com base no género violam especificamente os direitos humanos, comprometem a igualdade de oportunidades e são incompatíveis com o direito ao trabalho digno.

A Convenção n.º 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho (n.º 190) constitui um marco significativo no sentido de alcançar a tolerância zero para comportamentos inaceitáveis no trabalho e de reforçar a proteção das vítimas, independentemente do seu estatuto profissional. 

À semelhança de anteriores convenções da OIT, espera-se que desempenhe um papel fulcral na definição e avanço das reformas legislativas. Alarga o âmbito da proteção ao reconhecer que o assédio pode ocorrer, nomeadamente, «através de comunicações relacionadas com o trabalho, incluindo as possibilitadas pelas tecnologias da informação e da comunicação» (TIC).

Tal está em consonância com a evolução da compreensão do assédio no local de trabalho, salientando a necessidade de políticas atualizadas que abordem as formas tradicionais e digitais de assédio.

 Em setembro de 2024, 10 Estados-Membros da UE (Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Roménia e Espanha) ratificaram formalmente a convenção ou adotaram leis para o efeito. Prevê-se que a aplicação da Convenção impulsione alterações legislativas nos países que a ratificam – por exemplo, impondo novas obrigações aos empregadores no sentido de estabelecerem e aplicarem políticas no local de trabalho, proporcionarem formação e tomarem medidas imediatas quando surgirem problemas. No entanto, em vários países, a ratificação ainda não resultou em reformas legislativas significativas.

A Suécia se destaca, pois um inquérito do governo de 2021 descobriu que a lei sueca já está alinhada com os padrões da convenção e, portanto, não são esperadas mudanças legislativas.

Em alguns outros países, os sindicatos ou as organizações da sociedade civil mobilizaram-se, apelando a um maior empenhamento dos governos na plena aplicação da Convenção. Por exemplo, em França, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), juntamente com organizações da sociedade civil, tem defendido o reforço da proteção das vítimas de assédio sexual e o estabelecimento de novos direitos sociais para as trabalhadoras vítimas de violência doméstica.

Como afirmado em um comunicado de imprensa da CGT 1, "para essas mulheres, o trabalho representa um meio de empoderamento, um lugar de refúgio e uma saída potencial".

 

Tradução da responsabilidade do Departamento de  SST


Versão original Aqui