O presente relatório faz parte do projeto «Melhorar a conformidade com a regulamentação em matéria de SST» da EU-OSHA, oferece uma análise aprofundada da abordagem de Portugal.
O enquadramento da SST em Portugal é fortemente influenciado pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e por uma forte dependência dos serviços externos de prevenção, tendo em conta a prevalência de micro e pequenas e médias empresas (PME). Este estudo analisa as práticas das inspeções de trabalho e dos serviços de prevenção, destacando tanto iniciativas tradicionais como inovadoras.
Através de uma extensa investigação documental e trabalho de campo com a participação de 52 intervenientes, desde inspetores da ACT a profissionais e representantes da área da SST, este relatório caracteriza as atuais iniciativas e práticas em matéria de SST.
Identifica os principais desafios e apresenta sugestões concretas para melhorar a regulamentação, as políticas e as práticas. Adicionalmente, inclui sete estudos de caso detalhados, oferecendo uma visão prática sobre diferentes abordagens de inspeção do trabalho e de serviços de prevenção em Portugal.
Segue a tradução do resumo deste Relatório.
Verifica-se uma
escassez de informação e compreensão sobre o papel das inspeções do trabalho e
dos serviços de prevenção na promoção do cumprimento da Segurança e Saúde no Trabalho
(SST) a nível da UE (EUOSHA, 2021).
Consequentemente,
no âmbito do projeto «Improving compliance with SST», a Agência Europeia para a
Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA) optou por realizar estudos de caso
aprofundados na Alemanha, Irlanda, Polónia, Portugal e Noruega, seguidos de uma
análise coletiva das suas conclusões.
Este relatório
apresenta os resultados do estudo realizado em Portugal. Em Portugal, o ponto
de partida para a análise do cumprimento da SST, nomeadamente no que respeita
às práticas dos serviços de inspeção e prevenção do trabalho, diz respeito ao
trabalho desenvolvido pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT),
entidade central nacional responsável nesta matéria.
A ACT é um organismo público e governamental
do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), incumbido
de supervisionar as atividades de inspeção do trabalho e promoção da SST em
todo o território nacional.
No que diz respeito aos serviços de prevenção,
uma das principais caraterísticas do cumprimento da SST em Portugal é a forte
dependência de serviços de prevenção externos. Isto porque apenas as empresas
com mais de 400 trabalhadores e os estabelecimentos que desenvolvam atividades
de alto risco a que estejam expostos pelo menos 30 trabalhadores são obrigados
a ter serviços internos, sendo este tipo de empresas raro na economia
portuguesa.
De acordo com
dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do MTSSS, em 2022, as
microempresas e pequenas e médias empresas (PME) representaram 99,6% das
empresas portuguesas, sendo 81% microempresas, empregando 68,8% da força de
trabalho (GEP, 2023b).
Isto ilustra claramente por que razão os
serviços internos são de natureza excecional no contexto nacional. Além disso,
Portugal tem uma baixa presença de «representantes para a saúde e segurança»
(comunicados por 24 % das empresas inquiridas, em comparação com uma média de
56 % na UE-27), «conselhos de empresa» (4 %, em comparação com 24 % na UE-27) e
«comités de saúde e segurança» (13 %, em comparação com 22 % na UE-27)
(EU-OSHA, 2022).
Tendo em
consideração, tanto o panorama nacional como os objetivos da EU-OSHA, o
presente estudo centrou-se na caraterização das iniciativas e práticas de SST
utilizadas em diferentes contextos (por exemplo, diferentes setores e
modalidades de serviços de prevenção), tanto tradicionais como inovadoras.
Mapeou também
os desafios enfrentados pelos diferentes intervenientes na SST e, com base
nisso, apresentou sugestões em matéria de regulamentação, políticas, práticas e
investigação.
O estudo envolveu duas fases: uma fase de investigação documental e uma fase de trabalho de campo. A segunda fase incluiu um total de 52 participantes, desde inspetores do trabalho da ACT a outros intervenientes relevantes em matéria de SST: 12 entrevistas individuais (ou seja, o inspetor-geral do trabalho, inspetores do trabalho de diferentes centros locais, peritos em promoção da SST da ACT, o presidente do Sindicato dos Inspetores do Trabalho, o presidente da Associação Portuguesa dos Inspetores do Trabalho); dois focus groups com sete e nove inspetores do trabalho, respectivamente; dois focus groups com seis peritos em segurança cada.
Foram, ainda, desenvolvidas 12 entrevistas individuais com intervenientes na SST,
incluindo especialistas em segurança, representantes da Sociedade Portuguesa de
Segurança e Higiene no Trabalho, representantes da Associação Portuguesa de
Coordenadores e Gestores de Segurança, um médico de família do Sistema Nacional
de Saúde com experiência na notificação de doenças profissionais e na prestação
de cuidados aos trabalhadores em casos de subnotificação de acidentes de
trabalho, e o presidente da Associação
Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho (ANDST), associação que
garante apoio aos trabalhadores vítimas de acidentes e doenças
profissionais.
Além disso, a
análise cruzada entre as duas fases do estudo resultou no desenvolvimento de
sete estudos de caso que detalham diferentes práticas de inspeção do trabalho e
de serviços preventivos.
Resultados da
investigação:
Inspeção do Trabalho
A inspeção do
trabalho em Portugal segue um modelo de inspeção generalista em que, para além
da SST, a ação dos inspetores abrange também o domínio das relações laborais. O
número de inspetores do trabalho no país aumentou de 303 para 448 entre 2018 e
2024.
O país tem um
rácio de 10,5 inspetores por 100 000 trabalhadores, de acordo com os dados de
2021 do Comité de Altos Responsáveis do Trabalho apresentados no Barómetro SST
(EU-OSHA, 2024b).
A estrutura
empresarial em Portugal carateriza-se por PME que são tradicionalmente mais
difíceis de alcançar para impor o cumprimento da SST ou são negligenciadas
devido aos recursos públicos limitados (ou seja, recursos humanos para
monitorizar o cumprimento da SST ou desenvolver ações preventivas suficientes).
O papel dos
inspetores do trabalho consiste em assegurar o cumprimento da legislação e as
obrigações do empregador pouco variam em função da dimensão da empresa — exceto
em violações do quadro jurídico (por exemplo, quando aplicam coimas), que tem
em conta a dimensão e as receitas da empresa.
Os inspetores
do trabalho escolhem cuidadosamente a sua abordagem quando inspecionam as micro
e pequenas empresas (ou seja, mais instrutivas e menos punitivas). Por exemplo,
em caso de incumprimento, a decisão de aplicar uma coima ou uma notificação
para agir fica ao critério dos inspetores, tal como o é o prazo dado ao
empregador para tomar estas medidas.
Estas decisões são frequentemente aprovadas no
âmbito do coletivo de inspetores e não tomadas isoladamente. Por exemplo, as
inspeções do trabalho são realizadas de forma consistente por um par de
inspetores (ACT, 2019), uma prática de longa data no país e descrita como
positiva pelos participantes da fase de trabalho de campo deste estudo.
A prática serve
vários propósitos: atua como uma medida de segurança e saúde para os inspetores
do trabalho, proporcionando uma sensação de proteção em situações
potencialmente violentas; funciona como uma salvaguarda jurídica, assegurando a
presença de uma segunda testemunha para verificar as conclusões do inspetor;
compensa a abordagem da inspeção generalista, permitindo que um inspetor com
formação especializada num domínio específico complemente o outro; e
proporciona formação no local de trabalho, uma vez que os inspetores têm,
muitas vezes, diferentes formações académicas e níveis de experiência.
Além disso,
ajuda a manter o anonimato do queixoso durante as inspeções reativas, uma vez
que um inspetor pode recolher provas relacionadas com a queixa, enquanto o
outro recolhe informações gerais, ocultando o verdadeiro motivo da visita. Os
inspetores do trabalho intervêm frequentemente em situações que exigem
cooperação com outras instituições e representação territorial.
A ACT coopera
com outros serviços governamentais e instituições públicas e privadas que podem
influenciar direta ou indiretamente as condições de trabalho. Além disso, os
serviços descentralizados cooperam igualmente com os parceiros institucionais
locais e os parceiros sociais locais (associações patronais e sindicatos
setoriais).
Esta prática
apoia a conformidade legal, contribui para o desenvolvimento de protocolos de
ação baseados em situações específicas que podem ser adaptadas a outros
cenários e reduz o tempo de resposta através de protocolos de ação consolidados
e um histórico de esforços colaborativos. Para reforçar o trabalho das
inspeções do trabalho, tem havido uma tentativa de modernizar e adaptar os
recursos dos inspetores do trabalho através do desenvolvimento de novos
instrumentos.
Algumas
tecnologias utilizadas para apoiar a atividade de inspeção são o
desenvolvimento de simuladores digitais, um chatbot e um aplicativo móvel pela
ACT.
A implementação destas respostas permite,
assim, que a tecnologia seja operada como uma ferramenta para promover
condições de trabalho dignas e permite que os inspetores do trabalho se
concentrem em situações que podem exigir uma análise mais profunda e
especializada — assim, facilitar as inspeções.
Para além dos
recursos disponibilizados pela ACT e dos recursos derivados da experiência dos
inspetores do trabalho, há ainda alguns desafios a enfrentar.
Os inspetores
do trabalho entrevistados para este estudo mencionaram amplamente o quadro
jurídico fragmentado em matéria de SST, que é difícil para cada inspetor
dominar completamente, especialmente considerando que as atividades de inspeção
seguem um modelo generalista.
Verificou-se um
consenso entre os inquiridos quanto à necessidade de investimento adicional em
recursos relacionados com a promoção da SST, nomeadamente através da formação
de inspetores do trabalho e do aumento do número de peritos da ACT dedicados à
promoção da SST.
Os inspetores
referiram igualmente a necessidade de atualizações contínuas no que diz
respeito às alterações legislativas ao Código do Trabalho (e à legislação
fragmentada acima referida) e de uma formação mais orientada para a prática das
inspeções no terreno.
Por fim, foi
discutida a importância da integração dos dois sistemas internos atualmente
utilizados pela ACT — o Sistema de Informação Nacional da Atividade Inspetiva
(SINAI) e o S3604 (plataforma de gestão de relacionamento com o cliente para as
solicitações submetidas à ACT) — em um único sistema unificado. Embora esta
integração tenha sido planeada, ainda não foi implementada na prática.
Além disso, a
conceção de um sistema de informação integrado para a interoperabilidade de
dados entre a ACT e outros organismos públicos (por exemplo, com a Segurança
Social, GEP, Direção-geral da Saúde, etc.) poderia levar à produção de bases de
dados de informação mais completas, que podem ser utilizadas para melhorar a
tomada de decisões no sentido de uma melhor SST.



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