No início de fevereiro, uma trabalhadora
noturna viu o seu cancro da mama ser reconhecido, pela primeira vez, como
doença profissional em França. Esta decisão foi o resultado de uma campanha
sindical, em grande escala, que utilizou de forma bem aproveitada um inquérito efetuado
aos trabalhadores para sensibilizar o público e para mobilizar em torno da
questão do cancro profissional.
Martine trabalhou durante muitos turnos,
no período noturno, ao longo da sua carreira. O diagnóstico de cancro da mama
obrigou-a a parar de trabalhar para poder fazer os necessários tratamentos.
Quando regressou ao trabalho, as suas condições de trabalho permaneceram
praticamente inalteradas. Em consequência, foi obrigada a optar pela reforma
antecipada. Só em 2023, após cinco anos de processo, é que o seu cancro foi
reconhecido como doença profissional e definida a incapacidade para o trabalho
de 35%.
Vários estudos
mostram que o trabalho noturno é prejudicial para a saúde dos trabalhadores. No
entanto, deve ser feita uma distinção entre riscos comprovados (perturbações do
sono e perturbações metabólicas), riscos prováveis (diabetes tipo 2, doença
coronária e risco carcinogénico) e riscos possíveis (tensão arterial elevada e
acidentes vasculares).
Para as mulheres, em particular, o
trabalho noturno aumenta o
risco de cancro da mama em até 30%.
No entanto, o trabalho noturno é essencial para o bom funcionamento de
determinados setores, nomeadamente dos serviços de saúde - e ainda não é
reconhecido como um fator de risco para o cancro.
Consequentemente, existe um certo tabu
em torno desta questão: os trabalhadores aceitam trabalhar à noite sem
necessariamente estarem cientes das potenciais consequências para a sua saúde e
alguns empregadores não põem em prática mecanismos de prevenção adequados.
A situação de Martine também toca em
outra questão: a do retorno ao trabalho após ou durante o tratamento contra o cancro.
De acordo com a Think Pink, uma
organização nacional de cancro da mama na Bélgica, 55% dos diagnósticos de
cancro são recebidos por pessoas que ainda estão a trabalhar, cerca de 60% a
80% das quais regressam ao trabalho após o tratamento.
A organização sublinha, assim, a
importância de criar as condições necessárias para um regresso bem-sucedido ao
trabalho. Tal pode assumir a forma de uma redução temporária do horário de
trabalho ou de uma alteração das tarefas a executar, se estas já não estiverem
em conformidade com as capacidades do trabalhador.
De acordo com um estudo realizado pela
LUCAS KU Leuven, «um terço dos inquiridos encontra-se,
atualmente, a sentir dificuldades no seu trabalho após o tratamento do cancro
da mama e um em cada três pacientes considera que terá de deixar de trabalhar
prematuramente devido ao tratamento, principalmente devido a problemas de
concentração».
O caso particular de Martine evidencia a
incerteza em torno do reconhecimento da natureza ocupacional do cancro de mama.
De momento, o trabalho noturno e o trabalho por turnos são considerados
cancerígenos «prováveis». Consequentemente, a presunção de causalidade não
existe e cabe à vítima provar a existência de um vínculo direto e essencial
entre a patologia (cancro) e o seu trabalho regular (trabalho noturno).
Uma tarefa dificultada pelo facto de o
cancro da mama ser uma doença multifatorial. Hábitos de vida, como o consumo de
álcool e tabaco, e também certos elementos da história médica são levados em
consideração. Assim, os procedimentos são muitas vezes longos e particularmente
difíceis para trabalhadores, que já se encontram física e psicologicamente enfraquecidos
pela doença.
No final, a decisão é tomada por um
perito que decide se existe ou não um nexo causal entre a patologia e as
condições de trabalho. Foi o que aconteceu com Martine em abril de 2022, com um
parecer favorável dado pelo Conselho Médico Departamental. Esta foi uma vitória para a
trabalhadora, que acabou por receber uma indemnização de 35%
do seu salário anual.
A história de Martine não é isolada, mas
é o primeiro caso de sucesso de uma campanha lançada em 2017 por uma “ação
coletiva sobre o cancro de mama” criada pela Federação de Minas do sindicato
CFDT em França. Esta ação coletiva realiza campanhas de sensibilização, mas
também inquéritos laborais nos setores da saúde e dos transportes aéreos
com um duplo objetivo.
O primeiro é permitir que os sindicatos
e os representantes dos trabalhadores exijam medidas de prevenção mais eficazes
nestes setores. O segundo é a inclusão do cancro da mama nas listas de doenças
profissionais. Tal aliviaria a carga processual e permitiria que estes
trabalhadores fossem mais bem remunerados.
A nível europeu, a
luta contra os cancros profissionais centra-se principalmente na exposição a
agentes cancerígenos ou mutagénicos, como o benzeno ou o níquel. Existe também
uma diretiva relativa à prevenção dos riscos decorrentes da exposição a
radiações ionizantes, cujo capítulo VI é dedicado à exposição profissional.
Embora as radiações ionizantes sejam reconhecidas como um perigo, não são
reconhecidas como uma causa presumida de cancro da mama. O único instrumento
europeu de referência às doenças profissionais e às suas causas não é
vinculativo (Recomendação 2003/670/CE).
Por conseguinte, cabe aos
Estados-Membros transpor ou não esta recomendação para o direito nacional. Além
disso, o cancro da mama não é mencionado explícita, mas indiretamente, na
rubrica "doenças causadas por radiações ionizantes".
Do mesmo modo, o trabalho noturno não é
abordado na legislação destinada a prevenir o cancro, mas sim na Diretiva
relativa ao tempo de trabalho (Dir. 2003/88/CE). Por conseguinte, se o esforço
do CFDT conduzir ao reconhecimento oficial do cancro da mama como uma doença
profissional causada pela exposição a radiações ionizantes e/ou trabalho
noturno, tal poderá também abrir caminho a um melhor reconhecimento noutros países,
mesmo a nível europeu.
Tradução da responsabilidade do Dep. SST
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