Ainda sob a égide das comemorações ontem assinaladas, o Departamento de SST da UGT procedeu à tradução do editorial da Revista Hesameg do ETUI, assinado pelo investigador, Laurent Vogel, por considerarmos da maior importância a abordagem que traça, quando relaciona a incidência do cancro nas crianças com as condições de exposição a agentes cancerígenos dos seus pais.
Já
se sabe há algum tempo que a exposição dos pais a agentes cancerígenos pode
comprometer a saúde dos seus filhos.
Nos
anos 50, os investigadores estudavam crianças nascidas de pessoas que tinham
sido irradiadas pelas bombas atómicas americanas lançadas em Hiroshima e
Nagasaki, no Japão.
Se
considerarmos o facto de que todos os países europeus, na atualidade. têm
registos sobre a incidência do cancro, essa questão torna-se ainda mais
interessante.
Esses
registos já apontam para tendências preocupantes, como o rápido aumento da
incidência de cancros na infância e na adolescência, uma conclusão que vem contradizer
um dos argumentos favoritos, repetidos muitas vezes pelos lobbies da indústria
química, ou seja, que a principal causa do aumento do cancro é devido ao
envelhecimento da população.
Até
recentemente, nenhuma equipa de investigação havia tentado comparar os dados registados
sobre cancro com as informações sobre a exposição ocupacional dos progenitores.
Foram
realizadas outras pesquisas que utilizaram metodologias diferentes.
Por exemplo, em 1998, um artigo destacou o facto de em 48 documentos que foram
publicados, serem estabelecidos mais de 1000 vínculos entre o cancro na
infância e o trabalho dos pais. Se elaborássemos hoje uma lista assim, certamente
seria mais longa.
Há
alguns meses, foram publicados os resultados de um novo estudo dinamarquês
sobre o cancro na infância e na adolescência em filhos de pais que trabalham
nos setores da pintura e da impressão gráfica.
Os
investigadores reuniram casos de leucemia, de cancros do sistema nervoso
central e de cancros pré-natais (aqueles que se desenvolveram ainda no útero). Utilizando
o número de identificação civil que é atribuído a todas as pessoas que residem
permanentemente na Dinamarca, foi possível identificar os pais e estabelecer o seu
percurso no trabalho.
A
pesquisa analisou mais de 8.000 casos de cancro registados em crianças com
menos de 19 anos que foram diagnosticados entre 1968 e 2015. Foi assim possível
calcular o risco associado a terem um pai ou a uma mãe a trabalhar na indústria
de tintas ou da impressão gráfica.
Essa
investigação confirma a ligação entre a ocorrência de certos tipos de cancro na
infância e a exposição ocupacional dos pais, seja pai ou mãe.
Para
crianças com um dos pais a desenvolver atividade na indústria de tintas, o
risco de contrair leucemia mieloide aguda foi 2,26 vezes maior. O risco foi
2,43 vezes maior para crianças com um dos pais a trabalhar na indústria de
impressão. Os riscos de cancro do sistema nervoso central também se concluíram bastante
aumentados.
O
estudo examina, ainda, vários assuntos que não abordaremos aqui. No entanto,
exige a consideração de duas questões políticas fundamentais.
Em
termos de pesquisa sobre o cancro, é dada pouca atenção às desigualdades
sociais causadas pelas condições de trabalho. A história da ciência também é
uma história de ciência não realizada, de perguntas não respondidas ou
perguntas nunca formuladas.
Esse espaço em branco no nosso conhecimento deve-se
a muitos fatores: à falta de interesse por parte da comunidade científica, ao ênfase
no que pode ser prestigiante ou não, a considerações orçamentais, a prioridades de
pesquisa financiadas pelo governo e assim por diante.
Esta
pesquisa dinamarquesa que é pioneira mostra que, usando os dados existentes, é possível
avançar no conhecimento humano num campo politicamente sensível. Embora grandes
investimentos estejam sendo feitos em "big data" (exploração de
conjuntos de dados muito grandes) onde interesses comerciais ou segurança estão
em jogo, pouco esforço está sendo feito para vincular os dados às desigualdades
sociais em termos de saúde.
Na
legislação europeia de saúde ocupacional, os riscos associados a substâncias
prejudiciais à saúde reprodutiva não estão a ser enfrentados de forma eficaz.
Cancro
à parte, as malformações congénitas, as questões de desenvolvimento e QI reduzido
também estão na raiz da desigualdade infantil relacionada com as condições de
trabalho impostas aos pais.
Poderiam
ser feitos grandes progressos se as substâncias prejudiciais à saúde
reprodutiva estivessem sujeitas às mesmas regras que os agentes cancerígenos.
Em
2004, a Comissão Europeia concordou em incluir na legislação sobre substâncias
cancerígenas no local de trabalho as substâncias nocivas à saúde reprodutiva.
No
entanto, a pressão exercida pelo lobby industrial, fez com que a CE tivesse
voltado atrás e, 15 anos depois, ainda existe este impasse.
Acabar
com esta diferença entre saúde pública e tratamento da saúde ocupacional é uma
importante batalha política.
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