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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Prevenir o legado do cancro - ETUI - Laurent Vogel


Ainda sob a égide das comemorações ontem assinaladas, o Departamento de SST da UGT procedeu à tradução do editorial da Revista Hesameg do ETUI, assinado pelo investigador, Laurent Vogel, por considerarmos da maior importância a abordagem que traça, quando relaciona a incidência do cancro nas crianças com as condições de exposição a agentes cancerígenos dos seus pais

 Segue a tradução adaptada:

Já se sabe há algum tempo que a exposição dos pais a agentes cancerígenos pode comprometer a saúde dos seus filhos.

Nos anos 50, os investigadores estudavam crianças nascidas de pessoas que tinham sido irradiadas pelas bombas atómicas americanas lançadas em Hiroshima e Nagasaki, no Japão.

Se considerarmos o facto de que todos os países europeus, na atualidade. têm registos sobre a incidência do cancro, essa questão torna-se ainda mais interessante.

Esses registos já apontam para tendências preocupantes, como o rápido aumento da incidência de cancros na infância e na adolescência, uma conclusão que vem contradizer um dos argumentos favoritos, repetidos muitas vezes pelos lobbies da indústria química, ou seja, que a principal causa do aumento do cancro é devido ao envelhecimento da população.

Até recentemente, nenhuma equipa de investigação havia tentado comparar os dados registados sobre cancro com as informações sobre a exposição ocupacional dos progenitores.

Foram realizadas outras pesquisas que utilizaram metodologias diferentes. Por exemplo, em 1998, um artigo destacou o facto de em 48 documentos que foram publicados, serem estabelecidos mais de 1000 vínculos entre o cancro na infância e o trabalho dos pais. Se elaborássemos hoje uma lista assim, certamente seria mais longa.

Há alguns meses, foram publicados os resultados de um novo estudo dinamarquês sobre o cancro na infância e na adolescência em filhos de pais que trabalham nos setores da pintura e da impressão gráfica.

Os investigadores reuniram casos de leucemia, de cancros do sistema nervoso central e de cancros pré-natais (aqueles que se desenvolveram ainda no útero). Utilizando o número de identificação civil que é atribuído a todas as pessoas que residem permanentemente na Dinamarca, foi possível identificar os pais e estabelecer o seu percurso no trabalho.

A pesquisa analisou mais de 8.000 casos de cancro registados em crianças com menos de 19 anos que foram diagnosticados entre 1968 e 2015. Foi assim possível calcular o risco associado a terem um pai ou a uma mãe a trabalhar na indústria de tintas ou da impressão gráfica.

Essa investigação confirma a ligação entre a ocorrência de certos tipos de cancro na infância e a exposição ocupacional dos pais, seja pai ou mãe.

Para crianças com um dos pais a desenvolver atividade na indústria de tintas, o risco de contrair leucemia mieloide aguda foi 2,26 vezes maior. O risco foi 2,43 vezes maior para crianças com um dos pais a trabalhar na indústria de impressão. Os riscos de cancro do sistema nervoso central também se concluíram bastante aumentados.

O estudo examina, ainda, vários assuntos que não abordaremos aqui. No entanto, exige a consideração de duas questões políticas fundamentais.

Em termos de pesquisa sobre o cancro, é dada pouca atenção às desigualdades sociais causadas pelas condições de trabalho. A história da ciência também é uma história de ciência não realizada, de perguntas não respondidas ou perguntas nunca formuladas.

Esse espaço em branco no nosso conhecimento deve-se a muitos fatores: à falta de interesse por parte da comunidade científica, ao ênfase no que pode ser prestigiante ou não, a considerações orçamentais, a prioridades de pesquisa financiadas pelo governo e assim por diante.

Esta pesquisa dinamarquesa que é pioneira mostra que, usando os dados existentes, é possível avançar no conhecimento humano num campo politicamente sensível. Embora grandes investimentos estejam sendo feitos em "big data" (exploração de conjuntos de dados muito grandes) onde interesses comerciais ou segurança estão em jogo, pouco esforço está sendo feito para vincular os dados às desigualdades sociais em termos de saúde.

Na legislação europeia de saúde ocupacional, os riscos associados a substâncias prejudiciais à saúde reprodutiva não estão a ser enfrentados de forma eficaz.

Cancro à parte, as malformações congénitas, as questões de desenvolvimento e QI reduzido também estão na raiz da desigualdade infantil relacionada com as condições de trabalho impostas aos pais.
Poderiam ser feitos grandes progressos se as substâncias prejudiciais à saúde reprodutiva estivessem sujeitas às mesmas regras que os agentes cancerígenos.
Em 2004, a Comissão Europeia concordou em incluir na legislação sobre substâncias cancerígenas no local de trabalho as substâncias nocivas à saúde reprodutiva.
No entanto, a pressão exercida pelo lobby industrial, fez com que a CE tivesse voltado atrás e, 15 anos depois, ainda existe este impasse.
Acabar com esta diferença entre saúde pública e tratamento da saúde ocupacional é uma importante batalha política.

 Nota: Tradução da responsabilidade do Departamento de SST da UGT 

A versão original pode ser consultada Aqui.


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